A tiara azul
sexta-feira, janeiro 02, 2015
Era
véspera de Natal. Matt colocou uma roupa qualquer e dirigiu-se ao café da
esquina, como fazia todas as quintas à noite. A cidade era pequena, então não havia
muitas opções. Observava a vida animada das outras pessoas e ouvia as conversas
alheias jogadas fora na madrugada.
Sentou-se
em uma cadeira de uma mesa para dois que ficava ao lado da janela, e apoiou-se
no vidro. As gotas geladas de chuva escorriam pelos seus cabelos, e ele olhava
através da vidraça para os carros que passavam com pressa jogando água na
calçada. As luzes desfocadas da sinaleira lembravam-lhe os pisca-piscas da
árvore colorida daquela noite de Natal no inverno de 2011, quando tinha 15 anos.
Matt
tentava, a todo custo, abrir a embalagem enorme do seu presente. Até que uma
mão delicada apoiou-se sobre o seu ombro, oferecendo ajuda. Suas unhas estavam
pintadas de vermelho-sangue e ela usava uma tiara azul – ele nunca esquecera –
que combinava perfeitamente com seus olhos negros e seu cabelo castanho-escuro.
Seu nome era Alice. Com a mão apoiada em seu ombro, ela deu um olhar cúmplice e
um sorriso simpático, ajudando-o a abrir o presente. Era um violão.
Alice
disse que sabia cantar, e sugeriu que os dois testassem o violão juntos, na
escada que ficava na entrada da casa de Matt. Estava frio, mas o jeito com que
ela colocou o cabelo para trás da orelha fez com que ele ficasse com vontade de
cuidar dela. Sentaram nos degraus e cantaram uma música qualquer. Ela tinha uma
voz doce, e enquanto cantava, olhava-o nos olhos. As pupilas dele dilatavam e
ele desejava que aquele momento nunca acabasse.
Passaram-se
semanas, e a cumplicidade entre os dois era digna de um filme com um ótimo
roteiro. Até que uma noite, na mesma escada, Matt tocou a tiara azul de Alice e
olhou no fundo dos seus olhos. Contou. Estava apaixonado. Seus lábios se
tocaram e ele apenas soube: era ela.
Em
uma noite chuvosa de quinta-feira, ele recebeu uma notícia. Alice estava
doente. Teria que viajar para se tratar, era uma doença desconhecida. O garoto
a viu partir para bem longe dali, em apenas algumas horas. Mal pôde se
despedir. As malas foram jogadas com força no carro e seus pais pareciam não se
importar. Ele viu o carro partir, e nunca o viu voltar.
4
anos se passaram, e desde aquele dia, ele ia todas as noites de quinta no café
da esquina. Naquela noite, estava tocando uma música calma. Resolveram ligar o
karaokê, e uma pequena multidão reuniu-se em torno do garoto que cantava. Era
uma melodia triste, que falava sobre deixar tudo para trás. Ele apenas não
conseguia deixar. E não queria.
A
sineta da porta indicou que mais algumas pessoas haviam entrado. Matt já estava
querendo ir embora dali. Seu coração estava acelerado e seus olhos já marejavam
em lágrimas. Até que ele ouviu uma voz doce começar a cantar. Uma música que já
fora uma música qualquer, mas não era mais. Não a partir daquele momento.
Todos
aplaudiam a menina que cativava a plateia. Ela usava um vestido preto e
sapatilhas bordô. Tinha a lua crescente no sorriso e as unhas pintadas de
vermelho-sangue. Matt aproximou-se para ver quem era a dona daquela voz, mas
ela estava de costas. Quando virou-se, ele viu.
A
menina usava uma tiara azul.
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