Ciclo
terça-feira, dezembro 23, 2014
Uma gota de chuva percorreu seu caminho pelo telhado, mergulhando em queda livre no chão. Escorreu pela calçada e pingou na grama. A grama recebia seus pés cansados e descalços, que faziam uma dança desajeitada numa tentativa estúpida de liberdade. Talvez nem tão estúpida assim.
Pingou uma gota de café na mesa e tomou um gole exageradamente açucarado da bebida. A fumaça subia pelo ar, desenhando contornos abstratos na frente dos seus olhos. Eles eram puros, porém a inocência já não os pertencia. Perdera-lhe aos poucos, calma e descontroladamente. Em desacordo com o mundo.
Pegou o controle da TV e olhou. Olhava mas não via. Ouvia mas não escutava, e isso não era de hoje. Sempre fora distraída. Então, um chocolate em barra estava em suas mãos. O calor do seu corpo o fez escorrer por entre seus dedos, que muito já haviam escrito e folheado páginas em noites mal-dormidas e dias mal-cuidados.
As horas passaram naquele relógio de ponteiros silenciosos e gentis -parecia que faziam o tempo passar mais lentamente, e ela gostava disso-, e ao cair da noite, ela deitou-se na rede da sacada. Observou, como todas as noites, os pontinhos luminosos no céu. Poderia um dia ir para lá?
Uma lágrima escorreu pela sua bochecha. Não de tristeza, tampouco de alegria. Apenas uma lágrima, salgada como as águas do mar que ela visitava no verão. Chegou à sua boca e pingou. Onde? Não se sabe.
E ela adormeceu. Embalada pela calada da noite e observada pelos pontinhos luminosos.
Sim, eles também a observavam.
Poderia um dia ir para lá?
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