51 | Recordação
terça-feira, outubro 06, 2015Foto: @falllenskies
Acordo sobressaltada, sentindo-me um pouco tonta. Onde estaria? Olho para baixo e vejo que estou em um vestido branco levemente esvoaçante, e lindo. Pergunto-me de onde surgiu. Estou deitada entre cobertas incrivelmente macias e brancas, em um quarto de paredes também da mesma cor. Um espelho enorme com moldura dourada cobre a parede ao meu lado, e as cortinas em tom de areia parecem cascatas pendendo da janela. Levanto da cama e coloco os meus pés sobre um tapete fofo. Onde estaria?
Olho-me no espelho, e meu rosto mostra algumas sardas das quais não me lembro. Percebo que meus cabelos são louro escuros, e minha pele, branca como leite. "Qual é o seu nome?" pergunto enquanto encaro a figura que eu mesma exibo no espelho. Não consigo me lembrar. Pego as sandálias douradas que encontro próximas à cama e as coloco, com esperança de que logo irei lembrar do que estou fazendo ali. Lembrar de quem eu sou.
O relógio em cima da mesa de cabeceira está com os ponteiros parados. Vou até a porta que avisto na parede à direita da cama, e levo um susto ao chegar à uma sacada e constatar que estou a vários metros do chão. Um vento gelado sopra no meu rosto, e vejo o mar lindamente azul lá embaixo e os raios de sol ainda fortes. Uma sensação enorme de nostalgia me abate. Percebo algumas pessoas caminhando apressadas pela calçada, pessoas de todos os tipos. Sinto-me cada vez mais perdida, não consigo me lembrar. Eu não sei onde estou. Eu não sei quem eu sou.
Aflita, vou até a escrivaninha do quarto. Vasculho cada canto, abro todas as gavetas desesperadamente procurando por algum vestígio que me faça entender. Sem documentos, sem fotos, nada. Apenas um branco que parece crescer cada vez mais aqui dentro, assim como o branco deste quarto que me toma.
Abro a porta e desço as escadas, fazendo um esforço enorme para descê-las depressa ao mesmo tempo em que tento trazer à memória qualquer resquício de lembrança que possa ter sobrado dentro de mim. Aos poucos, o pânico me invade ao perceber que não há memória alguma. Não restou nada, apenas eu, desconhecida para mim mesma, em um lugar desconhecido. Dou de encontro com uma senhora, que me parece familiar, e a cumprimento. Ela, porém, ignora o meu pedido de desculpas pelo quase tropeço em seus pés e segue o seu caminho. Continuo descendo as escadas,
Ao chegar no andar térreo, deparo-me com um balcão sem recepcionista algum. Vejo uma placa com os dizeres "Hotel de La Plaza" em uma parede um pouco descascada e sinto um lapso de lembrança, porém ele logo vai embora. Corro para a rua movida pelo desejo de me descobrir.
Coloco o corpo para fora do hotel, e vejo uma multidão se aproximando. Parecem fazer alguma cantoria especial, quase fúnebre. Sigo aquelas pessoas, sem saber ao certo o porquê. Algumas estão com os braços enlaçados umas nas outras, outras parecem chorar. Sinto certa comoção, como se eu pudesse sentir o que elas estão sentindo. Ninguém parece me notar. Até que uma moça de cabelos levemente amendoados como os meus se aproxima de mim, e então eu lembro. Luce, minha irmã. Ela não fala palavra alguma e simplesmente me abraça, com uma força maior do que eu poderia imaginar.
Aos poucos, começo a me recordar. Tudo começa a fazer sentido. Aquele seja talvez o meu último dia ali, e percebo que Luce apareceu apenas para me fazer entender o motivo daquilo tudo. Percebo que já não pertencemos mais a esse mundo, que ninguém pode nos ver a não ser nós mesmas. Esta é a nossa despedida. Abraço ela o mais forte que consigo, e deixo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Não tenho asas, tampouco cachos louros que cobrem a minha cabeça. Mas agora, a certeza veio. Eu sou um anjo.
ESTE POST FAZ PARTE DO PROJETO 121 DO GRUPO BLOGS UP, QUE CONSISTE EM 121 TEMAS PARA BLOGAGEM. O TEXTO FOI BASEADO DO ITEM 51, "VOCÊ ACORDA EM UM QUARTO DE HOTEL, SEM DOCUMENTOS E SEM MEMÓRIA. O QUE ACONTECE A SEGUIR?".
8 comentários
Teu texto ficou incrível Mari, conseguiu fazer ma história bastante intensa com o tema ♥
ResponderExcluirMuito obrigada Kelly! ♥ Fico imensamente feliz que tenha gostado, tentei fazer algo um pouco diferente do usual, e gostei bastante desse tema.
ExcluirQue texto lindo! Você deu um rumo bem diferente do que a maioria das pessoas ia pensar em fazer com o tema previsto. Muita sensibilidade, amei!
ResponderExcluirAh, Amanda, muito obrigada! Gostei do tema logo que o vi, mas ainda não tinha pensado nesse rumo quando comecei a escrever o texto. Confesso que fiquei com um pouco de receio que não fossem gostar por ser diferente, mas que bom que gostou então <3
ExcluirGente?! O que foi esse final mesmo? É isso mesmo?!
ResponderExcluirMari seu texto me lembrou muito um livro que acabei de ler, ficou incrível.
Beijos ♥
É isso sim Cami! Hahahaha. Muito obrigada, de verdade. Eu também já li um livro que tratava do assunto e fiquei completamente apaixonada. Talvez estejamos falando do mesmo :)
ExcluirBeijos.
Confesso que quando a muljer a ignorou, notei que algo não estava normal. Que lindo o modo como discorreu sobre o tema da blogagem. Ficou demais, serio ebo final surpreendente. Como sempre, maravilhosa com as palavras! *-* Beijo
ResponderExcluirAwn, muito obrigada! Fico muito feliz que tenha gostado desse texto, acho que foi bem diferente dos que costumo escrever mas gostei de como ele ficou, e mais ainda com comentários positivos. <3 Beijos.
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